A saúde pública em alerta

25.10.19


Ana Paula Bartoletto, Laís Amaral, Correio Braziliense

Boa alimentação é uma das mais importantes decisões que cada pessoa pode tomar para ter uma vida saudável. O problema é que, ao se deparar com uma prateleira de supermercado, boa parte da população simplesmente não sabe quais produtos são saudáveis ou não.

Para dificultar ainda mais, a indústria se vale dessa desinformação e cria embalagens com cores e elementos que dão a entender que determinado alimento é saudável, quando muitas vezes não é. As informações nutricionais, por seu lado, vêm escondidas, em letras miúdas, em termos técnicos de difícil compreensão.

 

A fim de evitar situações como essas, a Anvisa vai aprovar em breve a utilização da rotulagem frontal, em que as informações nutricionais devem vir na parte da frente das embalagens. O que se discute no momento é o modelo que o Brasil deve adotar. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e diversas outras organizações da sociedade civil defendem os alertas em triângulos, que indicam o nutriente prejudicial à saúde que determinado produto contém em excesso.

 

Esse modelo é resultado de pesquisas realizadas desde 2016. Um dos estudos mostrou, por exemplo, que os voluntários acertaram os ingredientes presentes em altas quantidades em 75,7% das vezes ao serem apresentados à rotulagem com advertências de triângulos, contra apenas 35,4% de acertos quando consultaram a rotulagem defendida pela indústria.

Os triângulos de advertência são aprovados pelos maiores especialistas no assunto do mundo, incluindo médicos e nutricionistas. No Chile, onde a advertência foi adotada em 2016, pesquisas revelam que a população passou a compreender mais sobre a composição nutricional dos alimentos e até mesmo a reduzir o consumo de produtos não saudáveis.

 

Esse modelo vinha sendo bem-aceito nas discussões com a Anvisa até que, em setembro deste ano, a agência propôs o design da lupa para a rotulagem, mesmo sem evidências científicas de que esse tipo de advertência seja eficaz e atinja os objetivos desejados.

 

Não há nenhum estudo publicado provando que esse é o melhor modelo, nem registro de algum país que já o adotou. No Canadá, onde está sendo discutido, ele tem sido amplamente criticado por pesquisadores e profissionais de saúde por exigir que os consumidores leiam e interpretem por si mesmos as informações, o que dá margem para conclusões divergentes por parte da população.

 

O fato de os triângulos serem substituídos pelo símbolo da lupa reduz o impacto dos alertas. Uma pesquisa liderada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), publicada neste mês, afirma que símbolos como o triângulo, que remetem imediatamente a alertas, são mais eficientes para comunicar que os produtos têm uma alta quantidade de nutrientes associados a doenças do que símbolos não familiares, como a lupa.

 

Além disso, no modelo dos triângulos podem ser inseridos diversos alertas, um para cada ingrediente em excesso, ao passo que, no da lupa, é inserido apenas um. Isso dificulta a compreensão, sobretudo, para crianças e adultos não alfabetizados, grupos especialmente suscetíveis a escolhas alimentares não saudáveis.

 

Cabe ainda reforçar que, nesse debate, o único ponto de vista válido é o do consumidor. Portanto, ter acesso a informações claras e precisas é um direito, principalmente quando está em jogo a saúde e o bem-estar das pessoas. Cada indivíduo deve ser livre para escolher o que quer consumir e a que riscos quer expor a saúde. Porém, é inadmissível esconder informações necessárias e relevantes em uma rotulagem que não será compreensível para o maior número possível de pessoas.

 

A adoção do modelo de lupas representaria a perda de anos de discussão, pesquisa e luta, e, sobretudo, um incalculável retrocesso para a saúde pública brasileira. Sem rotulagem adequada, o Brasil não será capaz de reverter as tristes estatísticas segundo as quais, desde o ano 2000, o país só vê aumentar as mortes por enfermidades crônicas como diabetes, doenças cardiovasculares e câncer, tanto em adultos quanto em crianças e jovens.


https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2019/10/25/internas_opiniao,800925/artigo-a-saude-publica-em-alerta.shtml




VOLTAR



Campanhas



Faça parte

REDE PROMOÇÃO DA SAÚDE

Um dos objetivos da ACT é consolidar uma rede formada por representantes da sociedade civil interessados em políticas públicas de promoção da saúde a fim de multiplicar a causa.


CADASTRE-SE