Cortina de fumaça
17.05.19Folha de São Paulo
Prioridade do governo Bolsonaro deveria ser a redução do consumo de cigarros
Políticas implementadas com determinação por sucessivos governos permitiram reduzir de forma significativa o consumo de cigarros no Brasil nos últimos anos.
A indústria foi proibida de fazer publicidade e se viu obrigada a veicular mensagens de alerta sobre os riscos oferecidos por seus produtos à saúde, a exemplo do que fazem os países mais avançados.
Fumar se tornou um hábito mais caro, com o aumento progressivo dos impostos cobrados sobre o cigarro e a fixação de preços mínimos para inibir o consumo do veneno.
A eficácia dessas políticas, que contribuíram para salvar vidas e aliviar pressões sofridas pelo sistema de saúde pública, é comprovada pelas estatísticas mais recentes.
Os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram uma queda da taxa de fumantes na população adulta de 15% para 10% desde o início da década.
Diante de resultados tão positivos, causou estranheza a decisão do ministro da Justiça, Sergio Moro, de promover estudos sobre a conveniência de diminuir a tributação dos cigarros fabricados no país.
Anunciada em março, a iniciativa tem como objetivo declarado o combate ao contrabando de produtos fabricados no Paraguai, origem de 4 de cada 10 maços vendidos no mercado brasileiro.
Mas a simpatia que Moro tem demonstrado pelos pontos de vista da indústria alimenta o temor de que o debate abra caminho para reverter as políticas que tornaram o Brasil uma referência nessa área.
O cigarro paraguaio tem apelo para o consumidor porque é muito mais barato do que o brasileiro. Um maço contrabandeado custa R$ 3 em média, menos da metade do que se paga pelo item nacional.
Isso ocorre por causa da diferença entre os regimes tributários dos dois países. As fábricas paraguaias recolhem 18% em impostos, enquanto suas concorrentes brasileiras são taxadas em 71%, na média.
Reduzir a tributação no Brasil, como a indústria nacional deseja, ajudaria a baratear os produtos e permitiria enfrentar os concorrentes instalados no país vizinho.
Moro já se disse inclinado a apoiar a ideia se ela não levar a um aumento do consumo global de cigarros, mas a prioridade do governo deveria ser sua redução —e não uma acomodação que só serviria para beneficiar os fabricantes.
Não há dúvida de que o comércio ilegal deve ser combatido pelas autoridades com rigor e persistência, mas o pior que o governo pode fazer é permitir que a discussão do problema sirva como biombo para a defesa da indústria, em detrimento do interesse público.
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